Tem algo de inovador a visita de Obama à Europa, na qualidade de candidato de um partido americano à Presidência da sua república, uma iniciativa de natureza absolutamente diferenciada daquela que, candidatos eleitos, e aproveitando o intervalo que em geral decorre da eleição à posse, gastam o tempo percorrendo as capitais com cujos governos terão relações mais frequentes e estreitas.
O candidato sabe que a eleição de um presidente da maior potência militar ocidental interessa a todos os povos e governos da sua área cultural, política, e de aliados, mas que estes não esperam ter influência na escolha de um governante pelo seu próprio eleitorado nacional.
Por isso, foi certamente um acto de simples cortesia, para além do previsto nos códigos de cortesia, a declaração atribuída ao Presidente da França, nessa qualidade, no sentido de que apoia a eleição de Obama, embora não surpreenda se entendida como o desejo íntimo de milhões de europeus cansados do trajecto republicano.
Uma das razões evidentes desta preferência, até desta oração, europeia, é que o candidato anda longe, nos discursos, e na imagem, de ter acolhido a perspectiva, com raízes romanas, que ali orientava o líder para advertir os adversários de que deviam parar de citar as leis, porque ele tinha as armas na mão.
Nada disto assegura que o discurso que venha a proferir, na cadeira da Sala Oval, se vier a ocupá-la, e depois de conhecer a realidade discreta do envolvimento americano no mundo, não tenha variantes inovadoras, uma circunstância que de regra condiciona a diferença entre o discurso de candidato e o discurso de governo em todas as latitudes e regimes.
O notável Kennedy, que também foi a Berlim, mas depois de eleito, e que mobilizou a esperança de milhões de homens ao redor da Terra, não previu que o desastre cubano, por sua decisão, estava à sua espera.
No caso de a experiência dos outros servir de inspiração, o que não acontece frequentemente, talvez o melhor resultado, procurado ou não procurado, da peregrinação do candidato pela Europa seja o de conseguir que os europeus ajudem a salvar a face dos EUA, um esforço que interessa aos que apoiaram, e aos que reprovaram, a intervenção no Iraque.
Esta intervenção não deixou de invocar interesses comuns dos ocidentais, com o imprudente lembrado esquecimento de cuidar primeiro de conseguir que os ocidentais comungassem no método e participassem das motivações.
A situação fragilizada a que a intervenção conduziu verifica-se numa data em que a relação com o resto do mundo tem mais a esperar da Aliança das Civilizações do que de um conflito interno de arrogâncias, a arrogância do poder militar e a arrogância do discurso crítico.
A substituição da primeira por uma força tranquila da sua capacidade e solidária, e da segunda por uma diplomacia informada e respaldada, são atitudes mais apropriadas e portadoras de futuro.
A própria visita de Obama fez recordar que, na última guerra chamada mundial, houve exemplo de uma aliança aproximável da exigência actual: por um lado, o poder militar que esteve principalmente nas mãos de Franklin Delano Roosevelt e de Churchill, e, por outro, a determinação sem poder que teve expressão na voz de Charles De Gaulle.
Sobre este escreveu Churchill, referindo-se à sua acção em Londres: "Ali estava, refugiado, exilado, condenado à morte, dependendo inteiramente da boa vontade do Governo britânico e também, nessa data, do Governo dos Estados Unidos... Não importa, desafiava o mundo inteiro... parecia exprimir o carácter da França..."
De Gaulle, falando de Churchill, escreveria: "Os incidentes rudes e peníveis que se produziam entre nós... influenciaram a minha atitude em relação ao primeiro-mnistro, mas não a minha opinião... apareceu-me, duma ponta à outra do drama, como um grande campeão de uma grande empresa e o grande artista de uma grande história."
De novo sabemos estarmos frente a um desafio global, entre o desastre e uma grande história: falta ter uma certeza igual de entregar o poder a lideranças com igual capacidade de entender.