A revisão da Constituição feita em 2004, quando estava no poder o PSD e o CDS/PP, abriu portas para aperfeiçoar o sistema autonómico.
Os partidos na Região levaram três anos para abrir o processo de revisão do Estatuto Politico Administrativo dos Açores e deixaram matéria tão sensível para ser debatida em fim de legislatura e com eleições à porta. Foi o que se chama juntar lenha para atear a fogueira.
O Partido Socialista desde que está no poder de há doze anos a esta parte tornou-se num “ Cristão Novo” da Autonomia dos Açores. Longe vão os tempos em que o PS era apenas pela “ Autonomia na Constituição” e verberava contra todos os que tinham posições mais avançadas sobre esta matéria.
Carlos César evolui na forma de ver a Autonomia, mas como todos os cristãos novos parece agora mais autonomista do que aqueles que estiveram na génese deste Projecto de auto governo e afirmação do povo açoriano, ao ponto de pretender, como aconteceu no inicio do processo de revisão do Estatuto, fazer um novo Estatuto, chamando-lhe “Carta Autonómica”. O Presidente do PS tinha em vista certamente reescrever a história recente e tornar-se no fundador da chamada Nova Autonomia, para parecer que só existe na Região a era César.
Tudo isso foi feito sem ter em conta os melindres e a delicadeza deste Projecto, embora estejam saradas algumas feridas abertas com as desconfianças de Lisboa, quanto às intenções dos Autonomistas e das Autonomias.
Foi assim sempre com o PS no poder e com o PSD algumas vezes. Mário Soares chumbou a revisão do Estatuto em 1986 e deu lugar à guerra das gravatas pretas.
Jorge Sampaio veio aos Açores dizer em 2004 que a Região não precisava de mais Autonomia, bastava o que se encontrava consagrado no Estatuto e na Constituição.
Cavaco Silva , que tem fama de ser “centralista” mandou para a Região um Ministro da República que se transformou no inspector da Autonomia e fez a vida negra ao governo de então. Volta agora a ser protagonista por causa da Autonomia.
O Presidente da Republica não precisava de ter feito o que fez.
As questões que ele levanta para além daquelas que o Tribunal Constitucional levantou, são procedentes porque mexem com os poderes do Presidente e com o equilíbrio entre órgãos de poder institucional e deveriam ter sido ouvidos os recados que ele mandou e publicamente anunciou. Devia ter havido cooperação institucional sobre esta matéria e o Primeiro Ministro que tem sido o grande beneficiário da cooperação Belém / São Bento, devia ter requerido do partido socialista as cautelas que a matéria merecia. Não era preciso deixar a população em suspenso à espera da comunicação do Presidente da República, porque não estava em marcha nenhum “Golpe Constitucional”. O Presidente poderia ter mandado uma mensagem à Assembleia da Republica com as reservas e os fundamentos que tem.
Os portugueses pensavam que finalmente o Presidente iria dizer o que pensa sobre o estado da economia, da justiça, do enriquecimento de uns tantos e do empobrecimento galopante de uma grande maioria da população e anunciar um contrato entre os políticos, os empresários e a sociedade civil, com objectivos e metas definidas para por o país em marcha.
Com isso, não minimizamos a importância da matéria objecto da comunicação presidencial. O que entendemos é que tudo poderia ter sido diferente se não houvesse neste processo intenções não reveladas.
Falta saber porque é que o PS quer abrir uma guerra com o Presidente da Republica, quando tem apreciado e beneficiado como ninguém até hoje, da cooperação estratégica entre Presidente e Governo.
Não acredito que Carlos César queira trazer ao debate eleitoral que se aproxima as questões da Autonomia e os novos fantasmas do centralismo, porque ele foi o campeão da Autonomia cooperativa e ainda está fresco o rescaldo da visita de Cavaco Silva aos Açores e das declarações produzidas por um e por outro.
Não acredito que as matérias em causa sejam um obstáculo aos avanços e à evolução do sistema autonómico. Não acredito que a revisão do Estatuto sirva de bandeira eleitoral para evitar que se discuta neste período os novos projectos e os novos desafios para os Açores.
Tudo isto teria sido diferente se não fosse o fervor dos cristãos novos da Autonomia e se o PSD/Açores tivesse memória e guardasse a história do passado recente em vez de querer parecer o que não é. Cavaco Silva em matéria de Autonomia fez o que Mário Soares e Jorge Sampaio fizeram.
Resta neste episódio uma grande conquista para a Autonomia.
Independentemente das questões suscitadas pelo Presidente da Republica e pelas inconstitucionalidades decretadas pelo Tribunal Constitucional, o coro de todos os partidos políticos com assento na Assembleia da República são unânimes sobre as virtudes do Estatuto revisto e sobre a necessidade de sanar as questões que suscitam dúvidas para que ele entre em vigor rapidamente.
O Estatuto revisto é um grande avanço no aprofundamento da Autonomia dos Açores, fruto do consenso nacional que à volta dele se criou e do trabalho louvável que a Assembleia Legislativa dos Açores produziu.
O PS/Açores tomou uma posição radical, na sequência da comunicação do Presidente da Republica, anunciando que iria apenas considerar as inconstitucionalidades decretadas pelo Tribunal Constitucional.Foi uma declaração de guerra a Cavaco Silva, desnecessária quanto a nós, porque o Estatuto é um instrumento jurídico, mas é sobretudo um instrumento de carácter político, sujeito também a uma avaliação politico.
Com a comunicação que fez ao país, o Presidente da Republica pôs de sobreaviso a opinião pública nacional para uma matéria que estava fora da agenda política, juntando aos problemas existentes uma questão institucional.
Não sei se o Presidente foi motivado neste caso pela crise de desagregação que se vive no reino Belga, em pleno coração da Europa, mas a verdade é que as Autonomias voltam em 2008 a ser uma questão nacional.
Resta agora esperar, para ver quem vai vencer o braço de ferro no PS, dividido que ficou com a Comunicação de Cavaco Silva. Se Carlos César, ou se Cavaco com José Sócrates.